TURISMO DE FOZ | 21/11/2023
Quanta história cabe na Vila Portes, em Foz do Iguaçu?
Bairro mais conhecido pelo comércio, a Vila Portes, em Foz do Iguaçu, tem todo tipo de produtos, a preços bem menores que os praticados em outros locais. São lojas que vendem marcas nacionais e internacionais no atacado e varejo e, por isso, além do público da cidade, recebem muitos clientes das cidades vizinhas, além do Paraguai e da Argentina. Em termos de localização, o bairro é superperto da Ponte da Amizade, que liga o Brasil ao Paraguai e, com isso, os moradores têm uma vista privilegiada do Rio Paraná.
Pelas movimentadas ruas do bairro, no frenesi de carros, motos e pedestres, muitas histórias de famílias se cruzam. Nesse post, vamos apresentar a beleza desse bairro por meio do que há por trás dos comércios: Histórias de família.
Um dos primeiros moradores do bairro foi o Sr. Flores Luiz Scandelari, que nos ajuda a contextualizar a época em que o então loteamento foi constituído. De acordo com ele, a Vila Portes começou a ser construída quando Julio Carneiro Portes comprou 58 alqueires de terra da família Sottomayor. “O seu Julio loteou tudo, mais ou menos em 1975. Não tinha água e nem luz, então eu falei para ele o seguinte: o Sr compra cano Tigre em Curitiba e traz para puxar água para as nossas construções. Depois disso, também compramos os postes e puxamos a luz da rua José do Patrocínio”.
“Quando comprou as terras, o seu Julio foi no Ministério da Segurança registrar o loteamento, porque como a área era faixa de fronteira, se desse qualquer problema com o Paraguai, ele se responsabilizava por todos os moradores da Vila”.
Aos poucos, o bairro foi crescendo e registrou expansão a partir da inauguração da Ponte da Amizade, em 1965. A população das cidades do Paraguai, até da capital, Assunção, vinha em peso fazer compras na Vila Portes para revender os itens no país vizinho e, aos poucos, o bairro passou a consolidar-se como uma área de exportação, tanto que até hoje há pessoas que não falam “Vou fazer compras na Vila Portes”, mas sim “Vou fazer compras na exportação”.
Havia os mais variados tipos de comércio: cama, mesa, banho, brinquedos, mercearias no estilo “secos e molhados”, materiais de construção, lojas de tecidos, etc. “Tenho lembrança até do Ex-presidente do Paraguai, Alfredo Stroessner, que vinha comprar brinquedos aqui”, comenta o Sr. Flores.
Uma das famílias mais tradicionais e que tem acompanhado a expansão da Vila Portes são os Abdallah.
Os empresários Abdallah Ashqar e Samira Hamdan se casaram em 1 de maio de 1982, já no Brasil. Abdallah chegou ao Brasil em 1979. O irmão mais velho já morava aqui. Samira chegou em Foz do Iguaçu em 1982. “Quando eu vim para cá eu tinha 17 anos. Não tinha noção do que eu ia encontrar. E, imagina? viajar de avião. Quando cheguei, vi apartamento de cimento, piso de carpete, luz. Não tinha essas coisas na Palestina. Foi tudo muito novo”, relembrou Samira. Aqui no Brasil, tiveram 3 filhos: Majed, Fawzi e Ashraf, que hoje dão continuidade ao trabalho dos pais no ramo de calçados. Mas, acrescentaram também as vendas em e-commerce. A Foz Star Calçados, rede de lojas da família, também é famosa no ambiente online. “Em dezembro de 1984 abrimos a nossa primeira loja. A maior parte dos clientes eram do Paraguai. São muitos acontecimentos nesses mais de 38 anos de Foz Star Calçados”, disse Abdallah.
As mulheres árabes têm um protagonismo muito interessante no Brasil. Além das questões de casa, Samira, por exemplo, sempre trabalhou no comércio, exercendo todo tipo de função: compras, visitas a feiras de calçados, já atuou como caixa, faz pacotes de presentes, trocas, atendimento e, mais recentemente, com seu hijab, vestimenta típica da cultura islâmica, também tem atuado como modelo fotográfica para as fotos de calçados que são postadas nas redes sociais da Foz Star Calçados.
Maria Elvira Scandelari, filha do Sr. Flores, é amiga de longa data da família Abdallah. Ela destaca o quanto o bairro se desenvolveu ao longo do tempo. “Moramos em um bairro privilegiado. Temos um rio maravilhoso aqui ao lado, várias culturas convivendo no mesmo espaço e a Vila Portes oferecendo cada vez mais experiências para quem vem aqui. Além do comércio, temos ótimas cafeterias, padarias que confeccionam pães de excelente qualidade, distribuidoras de frutas, etc”.
Foz do Iguaçu, Vila Portes e a Usina de Itaipu
Relembrar a história de Foz e da Vila Portes, sem dúvida, passa também pela Usina de Itaipu, e o Sr. Flores comenta da época em que era fiscal de rendas do estado. Após passagens por Ibaiti, no norte do Paraná, junto à família se mudou para a região oeste: primeiro em Toledo, e, em paralelo, viajava para Cascavel e Foz do Iguaçu. “A estrada era um picadão, no meio do mato”. Nessas idas e vindas, Flores presenciou um fato que mudaria a história da cidade: quando o primeiro trator chegou para dar início à construção da Usina de Itaipu. “Numa tarde, eu estava vindo de Guaíra e avistei um caminhão com um trator de esteira em cima, aquela poeira na estrada. Eu parei o jipe e perguntei ao motorista do caminhão o que eles iriam fazer com aquele trator. Ele respondeu que ali seria a Itaipu. Eu dei uma gargalhada. Eu não acreditei”. Mal sabia ele que, pouco tempo depois, atuaria na usina como fiscal de rendas. “Éramos 8 fiscais do estado. Ficávamos na barreira. Não passava ninguém. Nessa época, a Vila Portes era mato ainda”.
Maria Elvira reforça o quanto a cidade mudou com a vinda de Itaipu. “A primeira vez que vim a Foz eu tinha 4 anos. Viemos de avião. Eu conheci o Gresfi como aeroporto ainda”. Anos mais tarde, ela teve a experiência de atuar em demandas da Usina: primeiro, trabalhou na Unicon (consórcio responsável pelas obras civis da Itaipu) como estagiária de administração. Tempos depois, foi caixa no Banco do Brasil e fazia os pagamentos aos trabalhadores da Usina. “Íamos para a Itaipu com vários seguranças. Chegávamos de madrugada para fazer os pagamentos. A quantidade de funcionários na obra era impressionante, trabalhando 24 horas. Nas madrugadas, eram luzes para todos os lados, um trabalho constante”.
Segundo os registros da Itaipu, 40 mil trabalhadores atuavam na construção da usina no auge das obras. Alguns trabalhadores vieram com as suas famílias. Tal fluxo de pessoas também influenciou na expansão do comércio da Vila Portes.
A Vila Portes nos anos 1980 e 1990
A família do empresário Mohamed Mahmud Ismail chegou em Foz do Iguaçu em 1980. Inicialmente, tinham comércio de roupas em outra região comercial da cidade. No início dos anos 1990, ele resolveu abrir um comércio na Vila Portes, enquanto os pais e irmãos continuaram em outro local. “Era um comércio de confecções pequeno, só mais tarde conseguimos abrir uma loja na Avenida Beira Rio (uma das principais da Vila Portes) e então toda a família veio para o bairro”. A história dos Ismail também vem passando a cada geração. “Somos uma empresa familiar. Minha filha e meu filho tem outras lojas ao lado da minha”. Ismail comenta que investe na Vila Portes por ser um bairro próspero. “A Vila Portes está fadada a dar certo, assim como Foz do Iguaçu. Essa ligação da Avenida Beira Rio um dia vai ter que chegar até a ponte da Argentina. A rede hoteleira, assim que entender que a Avenida Beira Rio é um excelente lugar para se investir, vai lucrar. Além disso, com a segunda ponte, o fluxo de pessoas vai aumentar ainda mais”.
A Vila Portes é tão reconhecida como centro comercial que Claudir Carlos Mazzutti, dono de uma grande loja de utilidades domésticas, conseguiu algo quase improvável: fez com que muitos brasileiros que antes iam para o Paraguai comprar utensílios de cozinha passassem a comprar no Brasil. Além disso, ele conta que tem muitos clientes paraguaios. “Trabalho com mais de 80 mil itens e atuo mais no segmento de varejo, mas ainda tenho clientes de atacado”. Na empresa, além de Claudir, estão a esposa, o filho, a filha, a nora e o genro. Mesmo ainda pequenos, os netos também vão à loja, que completou 22 anos. A história da família de Claudir com a Vila Portes começa quando ele montou uma loja para vender produtos no valor de R$ 1,49. Seus clientes eram comerciantes das populares lojas de R$ 1,99 dos anos 1990. “Chegou um ponto que em 2001 eu já não conseguia repassar os produtos a R$ 1,49. Nesse meio tempo surgiu a oportunidade de abrir aqui onde estou hoje, mas uma sala de 60 metros quadrados. Foi quando eu comecei a agregar produtos de valores maiores, produtos melhores”. O negócio foi dando certo e hoje a loja e o depósito chegam a 3.800 metros quadrados de área, com um quadro de colaboradores de aproximadamente 30 pessoas.
Visão de futuro
Todos os entrevistados foram unânimes em falar sobre a prosperidade do bairro, seja nas questões ligadas a investimentos e novos negócios ou na Vila Portes cada vez mais como ambiente para passear e morar. A família Abdallah comenta que, todos os anos, ao menos um integrante da família visita os parentes que vivem na Palestina. “Nossos laços familiares e de gratidão ao lugar que nos acolheu por tanto tempo são muito fortes. Ao mesmo tempo, nos sentimos privilegiados por Foz do Iguaçu ter nos recebido tão bem. São quase 40 anos em que nossas vidas tiveram novas oportunidades, formamos muitos amigos aqui. São fornecedores, vendedores, população da cidade que se tornaram grandes companheiros de jornada”.
Para quem ainda não conhece a Vila Portes, é um dos lugares para ir em Foz do Iguaçu. O horário ideal é ir de dia, para observar a movimentação do bairro, aproveitar o comércio e toda a estrutura do bairro.
Nota Especial: Em 20 de agosto de 2023, lamentamos profundamente informar o falecimento do Sr. Flores Luiz Scandelari. Sua presença e histórias enriqueceram nossa comunidade. Agradecemos por compartilhar suas memórias e contribuir para a beleza de Vila Portes. Ele viverá em nossos corações como parte inseparável desta história.